— | Allax Garcia |
“Sabe algo que permanece mesmo quando uma
relação termina? Manias. Muitos poderiam ter pensado em saudade ou
lembranças. Mas não, é manias. Eu percebi isso com o meu primeiro amor.
Uma garota de cabelos negros ondulados, boca bem desenhada e baixinha.
Nos conhecemos na sala de aula. Notei que ela fazia um laço na letra “E”
quando copiava a lição, e eu achava aquilo bonitinho. Comecei a treinar
para fazer igual. E consegui. Notei, também, que ela gostava de
cartinhas. Então comecei a mandar as minhas. Aprendi a colocar o que
sinto em palavras. E a amar em silêncio. Até que um dia ela foi embora.
Eu fiquei triste, mas continuei com a mania de fazer um laço na letra
“E” e a escrever cartas, mesmo que elas nunca tenham sido enviadas. Um
tempo depois, eu conheci uma outra garota metida a “sabe tudo”. E sabe o
que era pior? Ela sabia mesmo. Ela era tão inteligente que não teve
nenhuma dificuldade em me dominar. Pois é, eu, um problemático decidido a
deixar esse negócio de relacionamentos pra lá, juntar dinheiro, comprar
um Chevette 1.0 e cair na estrada sem rumo algum. Estava lá, contando
moedinhas e pensando se ela gostaria de receber um buquê de rosas ou
tulipas. Ela estudava todas as tardes na biblioteca, então eu comecei a
ir estudar também. Li mais livros do que achei que seria possível. Ela
gostava de ler romances nas horas vagas. E adivinha? Eu comecei a ler
também. Exatamente os mesmos livros. Aí ela me perguntava se eu gostei
do desfecho da história, eu dizia que achei incrível, mas na verdade não
tinha entendido nada. Mas ela ficava feliz e tinha um sorriso lindo.
Foi então que ela passou em um vestibular de uma faculdade de alto nível
e teve que se mudar para um lugar próximo ao inferno. Se duvidar, o
inferno é mais perto. Mas sem problemas, porque umas noites de choro no
escuro do meu quarto não afeta ninguém e uma hora termina. Mas deixa
manchas no travesseiro pra sempre. Só que eu continuei com a mania de
ler e estudar cada vez mais. Fiz coleção de romances e deixei de sair
muitas vezes para estudar. Ela foi embora, porém eu passei no vestibular
de uma das melhores faculdades da cidade. E foi na faculdade que eu
conheci uma branquinha de cabelos longos e lisos, com um corpo tão
escultural que parava carros, aviões e navios. Mas que tinha também, um
jeito fácil de me fazer se sentir especial e único. Ela costumava ir na
academia todos os dias. Segunda a Domingo. Aí eu comecei a ir também. Às
vezes era apenas para ficar um pouco mais perto dela, mas acabei me
acostumando com a ideia. Um dia a gente teve uma briga muito feia. Ela
disse “Blá Blá”. Eu entendi “Mi Mi”. Enfim, cada um por si. Mas eu
continuei com a mania de ir para a academia, cada vez mais. O magrelo
ficou forte. Tomei grandes doses de auto-estima e viciei. Então eu
disse: Chega. Acabou. Não quero mais isso de casar, filhos, família e
todas essas coisas de filmes e livros. A partir de agora sou eu, com um
pouco de eu, e mais eu. E sabe, era pra ter dado certo. Droga, era pra
ter sido só eu. Só que, me apareceu “Ela”. Foi no começo da primavera.
Não me lembro muito bem o dia, nem a hora. Mas me lembro de nunca, em
toda a minha vida, ter me impressionado tanto com um sorriso que em
conjunto de uma gargalhada gostosa, fazia todo o meu corpo estremecer.
Eu sabia que não devia me aproximar. Afinal, eu já tinha decidido a
minha vida. O rumo. A ordem. A escolha. Era bem simples, eu podia dizer
que tinha um jantar em família e estava atrasado, não perguntar o
telefone e nunca mais aparecer por lá. Eu realmente tinha um jantar para
ir. Então, estufei o peito de ar, e disse, naquele momento, o momento:
“Você não gostaria de me acompanhar no jantar?”. Depois de perceber a
besteira que eu tinha feito, fiquei torcendo “Não aceita, não aceita,
não aceita”. E ela aceitou. A minha razão e orgulho estavam partidos,
mas o meu coração estava mais completo e inteiro do que jamais pensei um
dia estar. Não sei dizer quantas vezes pensei na besteira que eu tinha
feito. E sabe de uma coisa? Foi a besteira mais certa que já fiz.
Escrevo isso e levanto a cabeça vagamente para olhar no sofá, e ela,
essa mesma garota daquele começo de primavera, está lá, sentada,
conversando com a minha mãe sobre novelas e roupas. As duas mulheres da
minha vida conversando sobre duas coisas que não entendo. Ela ama as
cartas que eu escrevo e deixo do lado da cama dela, gosta do laço que eu
faço na letra “E”, acha bonitinho os romances que leio e adora o meu
físico. Se ela vai deixar manias em mim? Ainda é incerto. Posso dizer
que eu não queria esse negócio de casar e compartilhar as minhas coisas
com outra pessoa. O tipico egoísta. Mas faz mais ou menos uma semana que
eu a pedi em casamento. Eu não queria isso de ter filhos, ser pai e
toda essa carga de responsabilidades. Mas faz uns três meses que ela me
disse estar grávida de um filho meu. Hoje, no quinto mês de gestação, eu
possuo o sorriso mais sincero e verdadeiro do mundo, uma futura esposa
que adora o som da minha voz e a mania de calcular jeitos de comprar uma
casa maior. E ah, antes que eu me esqueça, ontem a minha noiva me ligou
e disse, em meio a berros e gritos: “Meu amor, é uma menina!”
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